quinta-feira, 10 de abril de 2014

O LUGAR DA MULHER



Na última semana de março (mês das mulheres), foi divulgada uma pesquisa realizada pelo Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada que mostra um pouco da percepção que a sociedade brasileira tem em relação às questões de violência contra a mulher.
Foi investigada a opinião dos brasileiros sobre determinadas frases muito ouvidas no dia-dia, como por exemplo: “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.
O resultado é que 65% dos entrevistados concordaram que a mulher que usa roupa que mostra o corpo merece ser atacada.
Além disso, 58,5% concordaram com a frase que diz que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros".
Assim:
“"Por trás da afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores", afirmam os pesquisadores no relatório do estudo”
Mas será mesmo que a roupa ou o comportamento da mulher é que determina o assédio sexual?
Uma pesquisa do Centro para o Diálogo Nacional do Rei Abdulaziz, da Arábia Saudita, afirma que 86,5% dos sauditas entendem que a culpa pelo aumento dos casos de assédio sexual em locais públicos naquele país deve-se ao uso indiscriminado de maquiagem pelas mulheres.
Ou seja, o rímel é o grande ‘vilão’ na Arábia. E mesmo vestidas com as chamadas ‘burcas’, que cobrem todo o corpo, as mulheres árabes são tão vítimas de assédio sexual como as brasileiras.
Tudo isto mostra que não se trata de um problema de instinto em que os homens não devem ser estimulados, pois, supostamente não conseguem controlar seus apetites sexuais.
Logicamente que são concepções que sofrem influência destas tradições patriarcais de nossa sociedade, passadas de gerações que sempre entenderam e viram o lugar da mulher recluso a trabalhos domésticos, pronta a servir o marido. Entretanto, não se pode dizer que é apenas uma questão cultural, até porque as bases de uma determinada cultura se encontram em fatores materiais de uma sociedade, ou seja, seria preciso investigar o que determina o comportamento machista de muitas pessoas. Entre estas determinações, destaca-se em especial o próprio papel que a mulher exerce na sociedade.
Para Engels: “A emancipação da mulher só se torna possível quando ela pode participar em grande escala, em escala social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe torna apenas um tempo insignificante”.
Esta participação ainda não se efetivou de fato. Ao contrário do que dizem, a mulher ainda não conseguiu se emancipar totalmente.
Mesmo com as muitas conquistas que tiveram nas últimas décadas as mulheres ainda são as que recebem menos, as que menos ocupam cargos de alto escalão, as que mais sofrem com o desemprego.
No Brasil, em 2004, as mulheres recebiam 63% do salário total dos homens. Em 2012, passaram a receber 72% do que ganha os homens, isto em um cenário de crescimento econômico. Neste mesmo ano, 2012, de todas as pessoas que ganhavam até um salário mínimo, 33% eram mulheres, contra 23% de homens. Além disso, 57% dos desempregados eram do sexo feminino.
No mundo as mulheres ocupam 24% dos cargos de liderança como presidente, vice-presidente e diretores; no Brasil esse número é de 23%.
Em relação à sua representatividade política, as mulheres brasileiras contam com pouco espaço, apesar de ter uma mulher na presidência da república.
“No Senado Federal, entre 81 vagas, apenas 13 são ocupados por mulheres, sendo que, atualmente, oito senadoras exercem ativamente a atividade. Apenas uma das 11 comissões da Casa é presidida por uma senadora. Na Câmara dos Deputados, das 513 vagas, 44 são ocupadas por mulheres e apenas uma das 21 comissões permanentes é liderada por uma deputada. As mulheres ocupam apenas 10% das prefeituras e representam 12% dos membros das câmaras municipais.”
Tudo isto sendo o eleitorado feminino maior que o masculino e com uma lei que obriga os partidos a reservar 30% de suas candidaturas a mulheres.
Esta realidade forja o pensamento social. Se a grande maioria das mulheres está exclusa de altos cargos, com salários menores, com as piores funções e ocupando espaços de dependência econômica ao homem como as donas de casa, a tendência é serem vistas como seres inferiorizados, passíveis de agressões físicas.
É comum, por exemplo, casos onde mulheres bem sucedidas geralmente sofrem insinuações que vinculam o segredo do sucesso a algum caso sexual com o chefe. Ou seja, a mulher nunca é competente o bastante para conseguir seus objetivos sem o aval de algum homem, porque historicamente ela sempre ocupou cargos subalternos.
Assim, a luta pelo fim deste tipo de mentalidade passa também pela reeducação da população, mas só se efetuará de fato quando as mulheres deixarem de ser submissas aos homens, conquistando espaços restritos aos mesmos, se libertando do trabalho doméstico, igualando-se aos homens em condições de trabalho, salário e cargos importantes, ou seja, é uma luta contra a própria dinâmica do capitalismo que tem na mulher apenas um instrumento de aumento de seus lucros, principalmente em momentos de crise.
Logo, não se trata de competir contra os homens, mas sim de uma luta em conjunto, de ambos os sexos, por uma transformação nas bases da sociedade, que traga oportunidades e valorização igual a todos.

Obs: O Ipea divulgou na último fim de semana uma correção em relação a sua pesquisa em que, na verdade são 26% e não 85% o número de pessoas que consideram que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O que muda o grau do problema, mas, não o conteúdo que continua existindo. 
Dóri Edson Lopes



Referencias consultada:

Augusto C. Buonicore: Engels e as origens da opressão da mulher.

Wellington Ramalhoso: Maioria diz que mulher com roupa curta 'merece' ser atacada, diz Ipea

Leonardo Sakamoto: Hoje é daqueles dias em que sinto uma vergonha enorme por ser homem.

Hanrrikson de Andrade: Após dez anos em queda, diferença salarial entre homens e mulheres aumenta

Bia Cardoso: Queremos mais mulheres no poder?

Letícia Arcoverde: Cresce o número de mulheres em cargos de liderança