quinta-feira, 5 de outubro de 2017

La betê e Francisco de Assis - a nudez e seus contextos

  A polemica envolvendo a exposição “La bête”, que aconteceu no MAM, Museu de Arte Moderna de São Paulo, há alguns dias, trouxe à tona uma série de questionamentos por parte da sociedade brasileira, onde valores foram contestados, acusações foram feitas e principalmente muito ódio foi destilado.
 Tudo isso me trouxe muita preocupação, pois procuro ser uma pessoa que analisa o todo antes de expressar opinião, mas mesmo assim, vi que não há espaço na sociedade para ponderação e equilíbrio.
 Vivemos atualmente em uma sociedade maniqueísta, onde só há espaço para o bem e o mal. Não há contexto, não há espaço para dúvida, não se tem mais um olhar amplo sobre o que é discutido, há simplesmente um conceito simplista, onde o senso comum tem mais valor que o dicionário quando se trata em definir o significado de uma palavra. Se eu acho que cachorro signifique algo diferente de um canídeo, mamífero, subespécie de lobo, eu posso defini-lo como bem entender, afinal eu tenho esse direito.
  O fato é que hoje, após todo esse estardalhaço, o qual me trouxe perdas irreparáveis, simplesmente pelo modo como eu tento me posicionar de maneira mais abrangente, lembrei-me de uma mensagem que eu escrevi na época em que frequentava a igreja Batista.
  A mensagem se baseava em gênesis capitulo 03, onde discorre a narrativa da queda de Adão e Eva.
 No texto, após comerem a fruta do conhecimento do bem e do mal, perceberam que estavam nus, e sentiram vergonha, fazendo então, aventais com folhas de figueira. Deus, em seguida o chama, Adão diz que se escondeu da presença de Deus pois percebeu a sua nudez, sendo então questionado por Deus, sobre quem havia contado a ele que estava nu, se teria comido o fruto que Deus ordenou que não comesse, Adão, coloca a culpa em Deus, afirmando que a mulher que ele, Deus, deu para ele, que havia dado o fruto proibido. A mulher, por sua vez, culpa a serpente, dizendo ter sido enganada pela mesma.
 Analisando o fato anterior, e mais outros textos que utilizei na época para criar a mensagem, eu vi que a nudez representava a transparência da relação entre Deus e o homem, o qual sabia de tudo, via tudo, e só havia a bondade no homem a ser vista.
  Após a queda, o homem passa a ter consciência, passa ele, homem a ver essa relação como vergonha, pois agora, ele sabe que Deus o enxergará como ser que é, tenta se fazer aceitável para Deus, cobrindo sua nudez com as vestimentas de folhas, para que Deus não enxergue o ser que havia se tornado.
 Mas, isso não foi suficiente para que isso ocorresse, e ao ver que Deus o veria “nu”, mesmo com roupa, não admite seu erro, e joga a culpa de sua transgressão no próprio Deus, utilizando a mulher como bode expiatório. A mulher, também não admitindo a sua culpa, culpa a serpente pelo seu erro.
 Por fim, associei a vestimenta como símbolo da religiosidade, no caso a hipócrita, para ser claro, não generalizando todo religioso, onde o homem tenta se fazer aceitável pelas obras de suas mãos, "cozendo roupas de folhas de figos”, metaforicamente, através das “boas ações”, a moralidade, a caridade e por aí vai.
 Cristo, posteriormente disse, que nenhum homem chegaria ao reino dos céus, se não fosse pelas obras dele, Cristo. Paulo fala em Romanos 03, que não há um justo, nem um sequer, não há quem busca a Deus, todos se extraviaram. Em Efésios 02 Paulo novamente diz que, “pois, pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus”.
  Dessa forma, mesmo estando há anos desviado da igreja, eu ainda tenho comigo que só Deus pode fazer julgamentos acerca da moralidade do outro.
 Tento não ser o portador da verdade, sei o quão sou falho demais para julgar o outro.
 Nem toda a moralidade do mundo, ou a defesa da moral judaica cristã me fará aceitável para Deus, segundo a crença cristã.
 Eu posso julgar a minha moralidade, posso escolher criar meus filhos, caso venha os ter, respeitando os meus valores. Mas quem sou para julgar a moralidade do próximo desde que a mesma não fira a lei? Quem sou eu para chamar aquela mãe de safada, vagabunda, dizer que a mesma expôs a filha a pedofilia, se segundo o dicionário não houve ali nada pedófilo?
 Para mim, a nudez é tabu. Para mim a peça não teve sentido algum, eu não iria ver a peça, não me interessaria pela nudez não erótica, mas quem me colocou de juiz para julgar o que é arte e o que não é arte.
 Eu posso não concordar com a mãe que levou a criança, e tenho direito disso, mas, pela lei, a mesma não cometeu crime. Haveria cometido se tivesse exposto a filha a pornografia ou sexo explícito, mas não foi o que houve ali. Mas, se houver outra lei, se não a que me foi apresentada até agora, mudo tudo o que disse aqui, pois, se houve crime, deve se haver punição aos responsáveis.
 Temos todo o direito de não concordar, mas não podemos querer impor nossos valores goela abaixo a quem pensa diferente de nós.
 Meu principal medo é o fato de que tudo começa com “isso é uma safadeza”, torna-se “essa safadeza é pedofilia”, vira “pedófilo merece apanhar” e “morte a esse safado, pedófilo”. Se a morte acontecer, todos que ajudaram a criar a corrente de ódio terão um pouco de sangue nas mãos.
 Estamos vivendo um tempo de extremos, polarização e eu só não quero fazer parte dessa corrente...
 São Francisco de Assis, ao ser confrontado por seu pai, renunciado a tudo que tinha, pediu a benção de seu pai, tirou toda sua roupa e pregou a Cristo completamente nu.
 Isso é ser imoral? Ele incitou a pedofilia? Fez apologia a mesma? Foi pervertido? Não, foi considerado anos depois um Santo pela Igreja Católica.
 Se o mesmo repetisse tal ato hoje, como seria tratado?
 Você pode dizer “ah, mas naquela época não havia a maldade que existe hoje”. Será? Pesquise e veja como era o contexto da idade média.
 Por fim, espero ter deixado clara a minha opinião, a qual você tem todo o direito de discordar, mas não tem o direito de achar que sou um leviano, safado que defende a pedofilia.
 Eu não sou um exemplo de ser humano, mas esse certamente não é um dos muitos erros que já cometi.
 Para mim, toda essa discussão só serviu de cortina de fumaça para a aprovação dos perdões pornográficos de dívidas de empresas, igrejas e políticos.
Fomos estuprados enquanto olhávamos para o outro lado e ainda nem percebemos isso.



Silvinho Coutinho