Na última semana de março
(mês das mulheres), foi divulgada uma pesquisa realizada pelo Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
que mostra um pouco da percepção que a sociedade brasileira tem em relação às
questões de violência contra a mulher.
Foi investigada a opinião dos brasileiros sobre determinadas frases
muito ouvidas no dia-dia, como por exemplo:
“mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.
O resultado é que 65% dos entrevistados concordaram que a mulher que usa
roupa que mostra o corpo merece ser atacada.
Além disso, 58,5% concordaram com a frase que diz que “se as mulheres soubessem como se comportar,
haveria menos estupros".
Assim:
“"Por trás da afirmação, está a noção de
que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as
mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os
estupradores", afirmam os pesquisadores no relatório do estudo”
Mas será mesmo que a roupa ou o comportamento da mulher é que determina
o assédio sexual?
Uma pesquisa do Centro para o Diálogo Nacional do Rei
Abdulaziz, da Arábia Saudita, afirma que 86,5% dos sauditas entendem que a
culpa pelo aumento dos casos de assédio sexual em locais públicos naquele país deve-se ao uso indiscriminado de maquiagem pelas mulheres.
Ou seja, o rímel é o grande ‘vilão’ na Arábia. E mesmo vestidas com as
chamadas ‘burcas’, que cobrem todo o corpo, as mulheres árabes são tão vítimas
de assédio sexual como as brasileiras.
Tudo isto mostra que não se trata de um problema de instinto em que os
homens não devem ser estimulados, pois, supostamente não conseguem controlar
seus apetites sexuais.
Logicamente que são concepções que sofrem influência destas tradições
patriarcais de nossa sociedade, passadas de gerações que sempre entenderam e
viram o lugar da mulher recluso a trabalhos domésticos, pronta a servir o
marido. Entretanto, não se pode dizer que é apenas uma questão cultural, até
porque as bases de uma determinada cultura se encontram em fatores materiais de
uma sociedade, ou seja, seria preciso investigar o que determina o
comportamento machista de muitas pessoas. Entre estas determinações, destaca-se
em especial o próprio papel que a mulher exerce na sociedade.
Para Engels: “A emancipação da
mulher só se torna possível quando ela pode participar em grande escala, em
escala social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe torna apenas um
tempo insignificante”.
Esta participação ainda não se efetivou de fato. Ao contrário do que
dizem, a mulher ainda não conseguiu se emancipar totalmente.
Mesmo com as muitas conquistas que tiveram nas últimas décadas as mulheres
ainda são as que recebem menos, as que menos ocupam cargos de alto escalão, as
que mais sofrem com o desemprego.
No Brasil, em 2004, as mulheres recebiam 63% do salário total dos homens.
Em 2012, passaram a receber 72% do que ganha os homens, isto em um cenário de
crescimento econômico. Neste mesmo ano, 2012, de todas as pessoas que ganhavam
até um salário mínimo, 33% eram mulheres, contra 23% de homens. Além disso, 57%
dos desempregados eram do sexo feminino.
No mundo as mulheres ocupam 24% dos cargos de liderança como presidente,
vice-presidente e diretores; no Brasil esse número é de 23%.
Em relação à sua representatividade política, as mulheres brasileiras
contam com pouco espaço, apesar de ter uma mulher na presidência da república.
“No Senado Federal, entre 81 vagas, apenas 13
são ocupados por mulheres, sendo que, atualmente, oito senadoras exercem
ativamente a atividade. Apenas uma das 11 comissões da Casa é presidida por uma
senadora. Na Câmara dos Deputados, das 513 vagas, 44 são ocupadas por mulheres
e apenas uma das 21 comissões permanentes é liderada por uma deputada. As
mulheres ocupam apenas 10% das prefeituras e representam 12% dos membros das
câmaras municipais.”
Tudo isto sendo o eleitorado feminino maior que o masculino e com uma
lei que obriga os partidos a reservar 30% de suas candidaturas a mulheres.
Esta realidade forja o pensamento social. Se a grande maioria das
mulheres está exclusa de altos cargos, com salários menores, com as piores
funções e ocupando espaços de dependência econômica ao homem como as donas de
casa, a tendência é serem vistas como seres inferiorizados, passíveis de
agressões físicas.
É comum, por exemplo, casos onde mulheres bem sucedidas geralmente sofrem
insinuações que vinculam o segredo do sucesso a algum caso sexual com o chefe.
Ou seja, a mulher nunca é competente o bastante para conseguir seus objetivos
sem o aval de algum homem, porque historicamente ela sempre ocupou cargos
subalternos.
Assim, a luta pelo fim deste tipo de mentalidade passa também pela
reeducação da população, mas só se efetuará de fato quando as mulheres deixarem
de ser submissas aos homens, conquistando espaços restritos aos mesmos, se
libertando do trabalho doméstico, igualando-se aos homens em condições de
trabalho, salário e cargos importantes, ou seja, é uma luta contra a própria
dinâmica do capitalismo que tem na mulher apenas um instrumento de aumento de
seus lucros, principalmente em momentos de crise.
Logo, não se trata de competir contra os homens, mas sim de uma luta em
conjunto, de ambos os sexos, por uma transformação nas bases da sociedade, que
traga oportunidades e valorização igual a todos.
Obs: O Ipea divulgou na último fim de semana uma correção em relação a
sua pesquisa em que, na verdade são 26% e não 85% o número de pessoas que
consideram que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.
O que muda o grau do problema, mas, não o conteúdo que continua existindo.
Dóri
Edson Lopes
Referencias consultada:
Ana Maria Rocha: O marxismo e a questão da mulher. http://grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=192&id_indice=1581
Augusto C. Buonicore:
Engels e as origens da opressão da mulher.
Wellington Ramalhoso:
Maioria diz que mulher com roupa curta 'merece' ser atacada, diz Ipea
Leonardo Sakamoto: Hoje é daqueles dias em que sinto uma vergonha enorme por ser homem.
Hanrrikson de Andrade:
Após dez anos em queda, diferença salarial entre homens e mulheres aumenta
Bia Cardoso: Queremos mais mulheres no
poder?
Letícia Arcoverde: Cresce o número de mulheres em
cargos de liderança