“Cada
vivo morre uma parte da morte de cada próximo
E
seu fim total será quando morrerem todos os mortos
E o
morto? Morre também em cada um dos vivos que morre”
(Joaquim
Cardozo)
Há quase uma
semana morreu Marielle Francisco da Silva, no auge dos seus 38 anos, vereadora
da cidade do Rio de Janeiro, defensora ferrenha dos direitos humanos, que
utilizava do seu tempo para denunciar as milícias formadas por membros da Policia
Militar de seu estado, amparar e auxiliar famílias de policiais mortos nessa guerra
perdida contra o tráfico, além ser responsável pela fiscalização das ações dos
interventores federais no estado do Rio de Janeiro, para que abusos não
ocorressem.
Eu a conhecia?
Nunca tinha ouvido falar, confesso, mas, após sua morte tomei conhecimento de
sua trajetória e confesso que percebi que foi alguém que fez a diferença, em
sua casa, comunidade, cidade. Alguém que como o “Capitão Nascimento”,
personagem do filme ‘’Tropa de Elite II”, enfrentou o sistema, mas, diferente
da arte, na vida real, teve sua coragem extirpada, muito provavelmente por
agentes da lei que deveriam lhe garantir proteção. Agentes que deveriam
garantir que sua voz ecoasse, e não cessasse.
Com sua morte, morreu uma parte de cada vivo, dando
mais um passo em rumo ao fim total, mas mais que sua morte, a reação de parte
da população a tal acontecimento, matou mais do que as balas daquelas armas
vendidas para Policia Federal, que foram utilizadas em sua execução.
Ver pessoas comemorando sua morte, atribuindo a ela
o fato de ter sido morta pelos bandidos que a mesma defendia, quando provavelmente não, ela
não foi morta pelos bandidos que ela defendia e sim pelos que ela enfrentava.
Ver gente rindo de uma execução, de uma vida
perdida, se divertindo com o Estado sendo transformado em agente homicida,
vindo falar que morreu não sei quantos PM e não houve tanta comoção e sei lá o
que. Discursos assim, matam!
Não vi em meu perfil ninguém comemorar morte de
policial. Não vi ninguém rir de notícias sobre policias que morreram, seja em
combate ou à paisana. Podem existir, mas nunca vi em meu perfil, onde pessoas
que eu conheço interagem.
Mas por incrível que pareça, vi pessoas rindo da
morte da vereadora. Gente que se incomodou por haver comoção pela morte de uma
pessoa pública, que cobra protesto contra morte de policiais, mas não faz
protesto contra morte de policial. Gente feliz pela morte de uma “esquerdista”,
disseminando mentiras, ferindo a memória de uma pessoa falecida, tudo em nome
de uma ideologia, sem ao menos pesquisar sobre a veracidade dos fatos.
O fato é que temos a polícia que mais morre e que
mais mata no mundo, isso é algo assustador.
Devemos sim debater o assunto, mas tendo em vista
todo o contexto que está por trás dessas mortes, não de maneira superficial,
como tanta gente faz.
O sangue que jorra das fardas não é
responsabilidade só de quem atira, mas de quem produz a arma, quem transporta,
quem faz vista grossa para facilitar a entrada, em troca de suborno, quem não
quer debater uma alternativa a essa guerra que só tem tirado vidas.
O fato é que o problema da segurança pública é sério
e não se resolve por memes, ou dando mais armas para a população.
É preciso entender que a polícia militar é uma
entidade humana, com bons profissionais que dedicam a vida ao bem da população,
e também com maus profissionais, que não desempenham a função para qual foram
contratados, assim como em todas as instituições formadas por seres humanos.
Não deve se idolatrá-la, nem odiá-la, mas ter noção
que há falhas, e que essas falhas devem ser denunciadas, e não vibrar com a
morte de quem denuncia.
Espero que o fato ocorrido não cale a voz de outras
“Marielles”!
Espero que bons policiais não tenham suas vidas
cerceadas por essa luta sem fim, enquanto empresários, políticos e gente da
“high society” lucra com a desgraça alheia.
Espero que entendam que o fato de morrerem bons
policiais, não é desculpa para justificar a morte de pessoas que denunciam maus
atos de agentes da lei.
Espero o dia em que a ignorância não seja a regra e
sim a exceção!
Silvinho Coutinho
Silvinho Coutinho