Certa vez, na antiga Praça da Matriz, eu pedi para “ficar” com uma moça.
Ela respondeu que iria dar uma volta para analisar minha proposta. Eu sentei em
um dos bancos da Praça e esperei a volta acabar... Estaria esperando até hoje
se, com a reforma, não tivessem arrancado todos os bancos da Praça e colocado
uns poucos muito desconfortáveis. Azar
dela...
Azar meu... Quando a Praça foi reformada e reinaugurada, há uns quatro
anos, eu estive lá. Não mais procurando a moça para saber a resposta, mas, em
abstinência, curioso por saber e ver o resultado de tanto investimento. E o
resultado estava lá, claro aos meus olhos, ou melhor, colorido, faraônico... Lembro-me de ver as pessoas
impressionadas (eu era uma) com a mudança. Aquela cascata, aquele “rio”
cortando a praça ao meio. Neverland!
Tudo que eu queria, naquele dia, era sentar em um banco e contemplar o coreto
reformado, palco de várias apresentações artísticas minhas, algumas épicas para
mim. Mas, logo percebi que os enormes bancos de antes, aqueles em que a gente
sentava e observava as pessoas dançando ao som do Som Brasil (sim, as pessoas
dançavam naquele tempo) não estavam mais lá. Havia apenas uns poucos bancos em
formato de bichos (até bonitos), com encostos apenas em metade do banco,
pequenos, poucas árvores, pouca sombra. Após 30 minutos observando as mudanças,
corri para casa...
No dia seguinte, refletindo, escrevi
um texto (publicado no ainda existente jornal Agora Notícias), relatando o incômodo.
No entanto, por as impressões daquelas mudanças estarem ainda frescas e,
portanto, indescritíveis, o artigo soou mais saudosista que crítico. Hoje, no
entanto, com o distanciamento, após muitas idas incômodas à Praça, refletindo
com amigos, creio ter chegado a uma visão mais clara e menos colorida da
reforma.
A grande questão, diferentemente do que eu disse no artigo daquele ano,
não foi o grande investimento e as mudanças abruptas, mas seus efeitos na ordem
simbólica e, acreditem, política do lugar. Para entender melhor, tem-se que
buscar a gênese das praças. Numa passada pela Wikipédia, vemos que a origem das
praças está, provavelmente, na ágora, para os gregos, e no fórum, para os
romanos. Para esses povos, esses espaços simbolizavam a materialização do público. A ágora era o lugar da prática
da democracia direta, lugar de discussão e debate entre os cidadãos, assim como
fórum romano (este, mais restrito).
A Praça da Matriz carrega muitos outros significados além dos de suas
possíveis origens, que não cabem nesse espaço, mas que, em Castilho, sempre tiveram
um sentido de reunião, seja para dançar forró, conversar, comer, beber,
discutir, debater, “ficar”... Era um lugar confortável para isso. Os bancos que
a cercavam e as sombras das grandes árvores incitavam à “vadiagem”. E não há
reflexão sem vadiagem. Juliano Cardoso já chegou até ser expulso pelo delegado,
sob o risco de ser preso pelo extinto crime de vadiagem (esse merecia prisão
perpétua). Não só isso. Era a morada dos “loucos”, dos bêbados, dos
angustiados, dos carentes. Seu guarda, eu
não sou vagabundo, não sou delinquente, sou um cara carente. Perdão, não me
controlei.
As outras praças da cidade foram todas reformadas da mesma forma. Quem
andar por Três Lagoas e Andradina irá também perceber que as praças reformadas
de lá se parecem muito com as nossas. Ao meu ver, não é por acaso. Trata-se de
uma “ideia” moderna de praça pública
que tem em seu núcleo uma essência do tipo fascista. Isso mesmo, fascista. Uma
forma de higienização da superfície da realidade, no caso dos loucos, viciados
e bêbados (como na Crackolândia), e, nos demais casos, de prevenção contra
pensamento, a reflexão, a “vadiagem”. Por não ser por acaso não quero também
dizer que seja um ato consciente. Não acredito que nossos governantes,
especialmente os municipais, sejam tão lúcidos assim em seus atos. Mas é algo
que está no ar, uma tendência...
Alguém já reparou que diminuíram muito as pessoas que dançam o forró
(ainda há forró?) e que os conhecidos loucos, bêbados e viciados migraram para
outros pontos menos visíveis da cidade? Eu sou um deles.
Ano passado, com a criação da “quarta-feirinha”, a praça da matriz teve
uma fagulha de vida, chegou a estar mais movimentada que muitos domingos de
forró. Entretanto, alguém, muito cuidadoso com a construção, teve a ideia de
que os vendedores fossem para a rua, sob o argumento de que lá as pessoas se
concentrariam em todas as barracas, além de que estariam danificando a praça
(bom, ao menos foi isso que ouvi dizer...) Será?
Semana passada estive em Bauru. Caminhando com minha namorada pela praça
do centro, sem querer, esbarrei com o “Festival Internacional de Fantoches”.
Fascinante. Em poucos minutos, se juntou mais de 50 pessoas. Trabalhadores,
moradores de rua, enfim, gente de classes variadas. Logo pensei em como aquilo
era fantástico, como aquele espaço estava sendo muito bem usado, levando uma
cultura muito específica, que pouco se vê em meios de cultura de massa, como a TV.
Enfim, Castilho não poderia ter atividades assim em nossa praça? Se ao
menos já tivéssemos um diretor de cultura com uma visão de cultura que vá além
dos clichês “Violinos-Big Band”. Se a praça não tivesse sido transformada em
uma ilha...
Samuel Carlos Melo
Apoiado Samuel !! E rumo a diretoria de cultura, pena que já tem vários candidatos, sendo alguns deste mesmo blog opositores.Quem é visto é lembrado! Você saiu na frente!
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