quinta-feira, 9 de maio de 2013

A PRAÇA DA MATRIZ É UMA ILHA



Certa vez, na antiga Praça da Matriz, eu pedi para “ficar” com uma moça. Ela respondeu que iria dar uma volta para analisar minha proposta. Eu sentei em um dos bancos da Praça e esperei a volta acabar... Estaria esperando até hoje se, com a reforma, não tivessem arrancado todos os bancos da Praça e colocado uns poucos muito desconfortáveis.  Azar dela...
Azar meu... Quando a Praça foi reformada e reinaugurada, há uns quatro anos, eu estive lá. Não mais procurando a moça para saber a resposta, mas, em abstinência, curioso por saber e ver o resultado de tanto investimento. E o resultado estava lá, claro aos meus olhos, ou melhor, colorido, faraônico... Lembro-me de ver as pessoas impressionadas (eu era uma) com a mudança. Aquela cascata, aquele “rio” cortando a praça ao meio. Neverland! Tudo que eu queria, naquele dia, era sentar em um banco e contemplar o coreto reformado, palco de várias apresentações artísticas minhas, algumas épicas para mim. Mas, logo percebi que os enormes bancos de antes, aqueles em que a gente sentava e observava as pessoas dançando ao som do Som Brasil (sim, as pessoas dançavam naquele tempo) não estavam mais lá. Havia apenas uns poucos bancos em formato de bichos (até bonitos), com encostos apenas em metade do banco, pequenos, poucas árvores, pouca sombra. Após 30 minutos observando as mudanças, corri para casa...
 No dia seguinte, refletindo, escrevi um texto (publicado no ainda existente jornal Agora Notícias), relatando o incômodo. No entanto, por as impressões daquelas mudanças estarem ainda frescas e, portanto, indescritíveis, o artigo soou mais saudosista que crítico. Hoje, no entanto, com o distanciamento, após muitas idas incômodas à Praça, refletindo com amigos, creio ter chegado a uma visão mais clara e menos colorida da reforma.

A grande questão, diferentemente do que eu disse no artigo daquele ano, não foi o grande investimento e as mudanças abruptas, mas seus efeitos na ordem simbólica e, acreditem, política do lugar. Para entender melhor, tem-se que buscar a gênese das praças. Numa passada pela Wikipédia, vemos que a origem das praças está, provavelmente, na ágora, para os gregos, e no fórum, para os romanos. Para esses povos, esses espaços simbolizavam a materialização do público. A ágora era o lugar da prática da democracia direta, lugar de discussão e debate entre os cidadãos, assim como fórum romano (este, mais restrito).
A Praça da Matriz carrega muitos outros significados além dos de suas possíveis origens, que não cabem nesse espaço, mas que, em Castilho, sempre tiveram um sentido de reunião, seja para dançar forró, conversar, comer, beber, discutir, debater, “ficar”... Era um lugar confortável para isso. Os bancos que a cercavam e as sombras das grandes árvores incitavam à “vadiagem”. E não há reflexão sem vadiagem. Juliano Cardoso já chegou até ser expulso pelo delegado, sob o risco de ser preso pelo extinto crime de vadiagem (esse merecia prisão perpétua). Não só isso. Era a morada dos “loucos”, dos bêbados, dos angustiados, dos carentes. Seu guarda, eu não sou vagabundo, não sou delinquente, sou um cara carente. Perdão, não me controlei.
As outras praças da cidade foram todas reformadas da mesma forma. Quem andar por Três Lagoas e Andradina irá também perceber que as praças reformadas de lá se parecem muito com as nossas. Ao meu ver, não é por acaso. Trata-se de uma “ideia” moderna de praça pública que tem em seu núcleo uma essência do tipo fascista. Isso mesmo, fascista. Uma forma de higienização da superfície da realidade, no caso dos loucos, viciados e bêbados (como na Crackolândia), e, nos demais casos, de prevenção contra pensamento, a reflexão, a “vadiagem”. Por não ser por acaso não quero também dizer que seja um ato consciente. Não acredito que nossos governantes, especialmente os municipais, sejam tão lúcidos assim em seus atos. Mas é algo que está no ar, uma tendência...

Alguém já reparou que diminuíram muito as pessoas que dançam o forró (ainda há forró?) e que os conhecidos loucos, bêbados e viciados migraram para outros pontos menos visíveis da cidade? Eu sou um deles.
Ano passado, com a criação da “quarta-feirinha”, a praça da matriz teve uma fagulha de vida, chegou a estar mais movimentada que muitos domingos de forró. Entretanto, alguém, muito cuidadoso com a construção, teve a ideia de que os vendedores fossem para a rua, sob o argumento de que lá as pessoas se concentrariam em todas as barracas, além de que estariam danificando a praça (bom, ao menos foi isso que ouvi dizer...) Será?
Semana passada estive em Bauru. Caminhando com minha namorada pela praça do centro, sem querer, esbarrei com o “Festival Internacional de Fantoches”. Fascinante. Em poucos minutos, se juntou mais de 50 pessoas. Trabalhadores, moradores de rua, enfim, gente de classes variadas. Logo pensei em como aquilo era fantástico, como aquele espaço estava sendo muito bem usado, levando uma cultura muito específica, que pouco se vê em meios de cultura de massa, como a TV.
Enfim, Castilho não poderia ter atividades assim em nossa praça? Se ao menos já tivéssemos um diretor de cultura com uma visão de cultura que vá além dos clichês “Violinos-Big Band”. Se a praça não tivesse sido transformada em uma ilha...

Samuel Carlos Melo

Um comentário:

  1. Apoiado Samuel !! E rumo a diretoria de cultura, pena que já tem vários candidatos, sendo alguns deste mesmo blog opositores.Quem é visto é lembrado! Você saiu na frente!

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