Cronos, na mitologia
grega, é o deus do tempo. Segundo consta na narrativa, Cronos era um deus
cruel, devorador de seus próprios filhos, no intuito de que nenhum tomasse seu
trono. De todos os filhos que teve, apenas Zeus escapou, após Reia, irmã e esposa de Cronos, enganar
seu marido. Mais tarde, por vingança, Zeus acorrenta Cronos
em uma prisão, antes o fazendo vomitar seus irmãos devorados.
Excetuando nossas
crenças e não crenças, a figura mitológica de Cronos conota o drama do homem em
relação ao Tempo. Todos somos filhos do Tempo, da história humana e da nossa
história familiar, seja das complicações geradas pela Segunda Guerra ou pelo
descuido de nossos pais ao não usarem contraceptivos: uma coexistência de
fatos, de atos, ou seja, de “tempos”. E é esse mesmo Tempo que corrói e envelhece
as coisas e os homens, que nos devora.
Afinal, porque estou
falando disso? No último sábado realizamos a 1ª Estação Cultura Independente,
no prédio da antiga estação ferroviária de Castilho. Tivemos rap, rock,
pintura, foto, romance e poesia. Estávamos em um prédio que é um marco
histórico para nossa cidade, em um local que, podemos dizer, representa o
surgimento dela, mas que, apesar disso, estava sem a manutenção do real responsável, sendo engolido pelo Tempo.
Entretanto, a feira cultural de sábado, pensando em relação ao mito grego,
assumiu o papel de Reia e Zeus.
Créditos: Castilho Vips |
Literalmente, ainda não
é possível ao homem vencer o apetite do Tempo. Porém, as manifestações artísticas,
por meio da memória, sempre travaram, de forma poderosa, uma batalha épica com
Cronos. Ao fazer Arte, o Homem expressa o seu tempo, que, por vezes, retoma
outro tempo, seja por saudade, seja por ódio, seja pelos dois, seja por nenhum.
Ao fazer Arte, o homem, às vezes, fere Cronos, deixando marcas dolorosas em seu
curso: memória.
Sábado passado, na
velha Estação Ferroviária, muitos tempos coexistiram. Muita coisa rolou em
Castilho (e no mundo) entre 3 de março de 1937 (inauguração da Estação) e 27 de
julho de 2013. No último sábado, foi como se todas as coisas, ao mesmo tempo,
estivessem reunidas ali.
Miguel Luques trouxe
para aguardar o primeiro trem Kurt Cobain, Raul Seixas, Renato Russo, Charles Chaplin,
Marilyn Monroe e muitas outras estrelas da música e do cinema em suas telas.
Além disso, jogou na cara de todos, com suas fotos de Castilho Ontem e Hoje, como
a força de transformação do homem é, às vezes, brutal. O Néctar Mc’s apresentou
aos passageiros da Estação os seus versos com sua batida contemporânea, algo
inebriante pra quem pega trem em 1937. O Karmas & DNA trouxe para embarcar
o rock inglês em suas guitarras de mãos dadas com a doçura da música erudita em
seu violino (que belo triângulo amoroso!). Os versos docemente apocalípticos de
Raquel Dias apresentaram a complexidade da vida no futuro aos senhores
preocupados com o atraso do trem. Silva Júnior informou em seu romance, com
detalhes, como estaria\esteve o clima do Inverno de 64.
Créditos: Castilho Vips |
Quem esteve no último
sábado na Estação, esteve também em 37 e em todos os anos depois. A Estação estava
viva, novamente, por meio de nós, por meio da memória, por meio da força das
correntes da Arte. Era possível ver os passageiros, ouvir o barulho do trem se
aproximando. No último sábado, por algumas horas, fomos Zeus e Reia. No último
sábado, por algumas horas, enganamos e acorrentamos o implacável Cronos.
Samuel Carlos Melo
Obs: A exposição continuará aberta até sexta-feira, a partir das 19 horas. Dizem que sexta vai ter som ao vivo e barzinho no encerramento das atividades.
Assim como muitos que fincaram suas raizes na nossa terra e viram o trem da historia passar, tambem nasci, cresci e me fiz gente ouvindo o apito do velho trem da Noroeste. Tantas historias contadas e experiencias vividas marcaram esse simbolo da integração nacional até meados do século 20 quando politicas públicas de massificação começa a desmontar o transporte ferroviario no pais para estimular mercado das montadoras que no brasil se instalavam. É um contraste degradante, pois no 1° mundo esse é o transporte terrestre mais eficiente. Olhar nossa velha Estação Alfredo de Castilho, é como olhar pela janela do tempo e rever um velho filme. As 3 horas e 14 minutos da madrugada, seu apito era marcava a chegada da aurora que orientava os boias frias pro trabalho no campo. Nativo da terra, não esqueço minhas raizes onde espero todos os dias, que seja minha última morada.
ResponderExcluirCícero Aparecido Alencar
Mestre em Engenharia de Produção
Professor no CEULJI-ULBRA
Ji-Parana-RO
Muito obrigado pela leitura e, principalmente, pelo comentário, Cícero!
ResponderExcluirO descaso para com nossa estação se deve justamente à falta de sensibilidade e de senso histórico. Se alguns aqui, que gerem nossa cidade, tivessem a capacidade de reflexão que você demonstrou, certamente nossa estação ainda estaria viva e, também, o transporte ferroviário seria, assim como nos países desenvolvidos, uma boa saída para o nosso país.
Abraços!
Samuel.