Há uma semana
um revertério abalou minha hercúlea saúde. A moléstia me pegou pela boca da
noite e na virada de domingo para segunda tive uma madrugada de rei. Muito
vômito e diarreia. Aqui abro um parêntese vocabular para prestar deferência ao
termo que, por escrúpulos bobos, quase não é usado: Caganeira. Ora, que
palavra! Não deve haver em nossa língua palavra mais foneticamente arranjada
para colar um significado ao um significante. Mas notem que há sutil diferença
entre a caganeira e a diarreia. É sonoro, preste atenção. Caganeira pressupõe
pressão, potência do corpo em expelir o imprestável. Diarreia já é algo menos substancial,
já mirrado da jorrosa potência do ventre. Então, vamos dizer que eu anoiteci
com caganeira e amanheci com diarreia.
Amanhecido
o dia, eu já esgotado, que de tanto cagar já estava com a cabeça vazia, resolvi
que precisava ir a um médico. Havia duas razões para isso: a primeira era que
precisava de um atestado para a minha falta no serviço. A segunda era que,
apesar de nesse momento minha formação nas ciências ocultas já me permitisse o
diagnóstico de uma virose, minha situação de exilado aqui nesse rincão de Mato
Grosso me deu a sensação de fragilidade. Eu queria ser avaliado por um médico.
A ideia de jazer numa louça fria não me parecia muito glamourosa, embora digam
que Elvis tenha morrido assim, se é que ele realmente morreu.
7
e pouco da manhã eu vou para um hospital que há aqui a uma quadra da minha
casa. Entro e saio da recepção duas vezes, reluto porque não gosto de
hospitais. Mas não tem jeito, vou até a recepcionista e faço minha ficha. Então
ela me informa que o médico atende em outro posto antes e só chega às 10:30.
Olho para a sala de recepção, um cubículo mal ventilado de uns 4 x 3 m. já
abarrotado de gente. Como moro perto, volto e durmo.
10:30,
estou de volta ao hospital. Minha formação em ciências ocultas é ampla, e como
eu já tinha meu próprio diagnóstico já sabia também que o meu melhor tratamento
era cama, repouso e muito líquido. Mas precisava do bendito atestado. 11:00...
11:30.. e enfim chega o médico. Volto à recepção e pergunto o quanto vai
demorar. A recepcionista diz que não tem noção. Cansado, pergunto se ali se
faziam consultas particulares, ela me responde que sim. Pergunto o preço, 150
reais. Ok, fazer o que. Ando mais umas 4 quadras, vou ao banco, tiro o dinheiro
e volto. Então sou avisado que como só havia um médico, pagar ou não era indiferente,
a espera era a mesma. Naquele momento, não obstante minha profunda angústia,
perna bamba, língua macilenta, corpo desidratado, tive um momento de
felicidade. Ali, naquele hospital, fez-se a justiça: não importava ser um
miserável ou um funcionário público federal. Estávamos todos fudidos.
Moribundo,
vou até um barzinho de frente para o hospital comprar água e tenho o divino
insight: não haveria uma clínica particular na cidade? Pergunto a um senhor no
bar e ele me confirma que existe sim. Saio de lá, pego um moto-taxi e chego à
clínica. Lá, ar condicionado e três atendentes. Cada uma representando três médicos.
Procuro um clínico-geral, me indicam. Pago 180 reais na consulta e sou atendido
em questão de uns 15 – 20 minutos. Um médico gentil me atende, me chama de
filho. Sento na maca, estetoscópio no peito, costas, barriga. Pergunta minha
profissão, digo professor. Ele brinca: “sofredor”. Diz que esses dias um
paciente professor disse que ganha 1800 por mês, sendo que ele paga 1600 para sua
atendente. Enfim, consulta, remédios, exames, retorno. Uma semana tu tá bom.
Voltei para
casa em torno de 13:00. Mas, eu juro, antes
de tomar água de coco e apagar na cama... eu me lembrei daquelas pessoas que
ficaram naquele hospital, desde não sei que hora da manhã para serem atendidas
a não sei que horas da tarde. É por elas que eu digo: sobrando uns 2 ou 3
cubanos, espanhóis, americanos, coreanos ou brasileiros de bom coração, pode mandar para cá: Hospital Vale do Guaporé,
cidade Pontes e Lacerda – MT.
Juliano Cardoso