Segunda semana em Ilha Solteira.
Ainda me acostumando às mudanças, especialmente a de não ter a quem pedir
favores, sofro uma das minhas piores abstinências de internet. Como um viciado,
rodo pelas vias invisíveis das conexões Wi-fi
buscando alguém com um espírito socialista, daqueles que dividem suas
propriedades. Acho logo um sinal com o seguinte dizer: “vai roubar de outro”.
Toma!
A sensação de estar deslogado é
sinistra. Parece que não participo mais da sociedade. E morar num lugar onde
não se conhece ninguém deixa as coisas ainda piores. Hoje, por exemplo, é
feriado por aqui e, infelizmente, chove desde a noite passada. O negócio está
tão feio que até decidi escrever este texto!
Mas, já que resolvi começar, por
que não falar das minhas impressões sobre esse episódio. Lembro que lá pelo
final da década de 90, ainda no Armel Miranda, o professor Mauro passou pra
gente o filme Matrix. Da primeira vez que assisti, mais juvenil e limitado que
hoje em dia, não entendi nada. Apenas que lutas coreografadas e armas são
distrações eficientes.
Entretanto, com um pouco mais de
idade e bagagem, entendi deveras do que se trata a cena onde Morpheus apresenta
a Neo a pílula azul e a vermelha. Ilusão confortável e afiançada ou realidade
dura e incerta? Pode parecer que forço a amizade, mas o mundo cibernético atual
toma cada vez mais os contornos daquele apresentado pelo filme.
Será que um dia vamos virar apenas
marionetes nas mãos de inteligências artificiais enquanto elas nos darão
ilusões e impulsos eletromagnéticos para imaginarmos as coisas como gostaríamos
que elas fossem? Sem dor, sem decepções, sem brigas, sem fome, sem guerras e
crianças mortas?
Todas nossas comidas serão como as
do instragram, nossas conversas resumidas e abreviadas em 140 caracteres e
nossos sorrisos como os das fotos tiradas nos sábados à noite e postadas no
facebook. Tudo lindo, wonderful e
retocado no photoshop.
E, na minha cabeça, nossa
liberdade nem vai ser tirada à força. Imagino que vamos voluntariamente
entregar nossos corpos em busca da felicidade eterna na mente, em abstrato.
Há, ainda, uma música que gosto
muito do Pink Floyd, Amused to Death, que diz que vamos todos nos entreter até
a morte. O entretenimento incessante. Viagem? Bom, o Pink Floyd é mesmo uma viagem
sem fim. Mas, vendo o caminhar das coisas, observando como fugimos sempre das
coisas mais profundas, dos relacionamentos, das crenças, como procuramos cada
vez o que é ralo, o superficial, o descartável, fica fácil pra alguém como eu
imaginar eventos mirabolantes. Ainda mais nas condições sob as quais me
encontro hoje.
Tudo isto pode vir a acontecer?
Não dá pra saber. Pode ser que um dia alguém diga que cool mesmo é ter muros baixinhos pra poder conversar com os
vizinhos e que quem produz e comercializa cadeiras de área e tereré fique rico,
tamanha a busca por esses itens. Pode ser ainda que ficar em casa sozinho, sem
internet, num dia de chuva, seja perfeito pra se ler um livro, escrever um
poema, fazer um bolo, sei lá... Talvez deitar no sofá e imaginar coisas. Pensar!
No momento, o que temos são mãos trementes, olhar perdido e a sanidade
ameaçada.
Márcio Antoniasi
''De uma simples rede de entretenimento, a internet logo se firmou com um portal de sonhos, onde a porta do céu e do inferno basta apenas um clique...''
ResponderExcluirLeandro Flores