segunda-feira, 7 de outubro de 2013

OFF LINE



Segunda semana em Ilha Solteira. Ainda me acostumando às mudanças, especialmente a de não ter a quem pedir favores, sofro uma das minhas piores abstinências de internet. Como um viciado, rodo pelas vias invisíveis das conexões Wi-fi buscando alguém com um espírito socialista, daqueles que dividem suas propriedades. Acho logo um sinal com o seguinte dizer: “vai roubar de outro”. Toma!
A sensação de estar deslogado é sinistra. Parece que não participo mais da sociedade. E morar num lugar onde não se conhece ninguém deixa as coisas ainda piores. Hoje, por exemplo, é feriado por aqui e, infelizmente, chove desde a noite passada. O negócio está tão feio que até decidi escrever este texto!
Mas, já que resolvi começar, por que não falar das minhas impressões sobre esse episódio. Lembro que lá pelo final da década de 90, ainda no Armel Miranda, o professor Mauro passou pra gente o filme Matrix. Da primeira vez que assisti, mais juvenil e limitado que hoje em dia, não entendi nada. Apenas que lutas coreografadas e armas são distrações eficientes.

Entretanto, com um pouco mais de idade e bagagem, entendi deveras do que se trata a cena onde Morpheus apresenta a Neo a pílula azul e a vermelha. Ilusão confortável e afiançada ou realidade dura e incerta? Pode parecer que forço a amizade, mas o mundo cibernético atual toma cada vez mais os contornos daquele apresentado pelo filme.
Será que um dia vamos virar apenas marionetes nas mãos de inteligências artificiais enquanto elas nos darão ilusões e impulsos eletromagnéticos para imaginarmos as coisas como gostaríamos que elas fossem? Sem dor, sem decepções, sem brigas, sem fome, sem guerras e crianças mortas?
Todas nossas comidas serão como as do instragram, nossas conversas resumidas e abreviadas em 140 caracteres e nossos sorrisos como os das fotos tiradas nos sábados à noite e postadas no facebook. Tudo lindo, wonderful e retocado no photoshop.
E, na minha cabeça, nossa liberdade nem vai ser tirada à força. Imagino que vamos voluntariamente entregar nossos corpos em busca da felicidade eterna na mente, em abstrato. 

Há, ainda, uma música que gosto muito do Pink Floyd, Amused to Death, que diz que vamos todos nos entreter até a morte. O entretenimento incessante. Viagem? Bom, o Pink Floyd é mesmo uma viagem sem fim. Mas, vendo o caminhar das coisas, observando como fugimos sempre das coisas mais profundas, dos relacionamentos, das crenças, como procuramos cada vez o que é ralo, o superficial, o descartável, fica fácil pra alguém como eu imaginar eventos mirabolantes. Ainda mais nas condições sob as quais me encontro hoje.
Tudo isto pode vir a acontecer? Não dá pra saber. Pode ser que um dia alguém diga que cool mesmo é ter muros baixinhos pra poder conversar com os vizinhos e que quem produz e comercializa cadeiras de área e tereré fique rico, tamanha a busca por esses itens. Pode ser ainda que ficar em casa sozinho, sem internet, num dia de chuva, seja perfeito pra se ler um livro, escrever um poema, fazer um bolo, sei lá... Talvez deitar no sofá e imaginar coisas. Pensar! No momento, o que temos são mãos trementes, olhar perdido e a sanidade ameaçada.

Márcio Antoniasi

Um comentário:

  1. ''De uma simples rede de entretenimento, a internet logo se firmou com um portal de sonhos, onde a porta do céu e do inferno basta apenas um clique...''
    Leandro Flores

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