segunda-feira, 22 de abril de 2013

CRECHE, PRÉ-ESCOLA E AS FÉRIAS: a Justiça está na contramão.




Pensei muito antes de redigir este artigo. Pensei no debate que há muito tempo se entrava entre os profissionais da educação e a população e nos cursos de formação com relação ao tema. Pensei na luta dos professores por melhores condições e pela valorização de sua profissão. Pensei nos avanços substanciais do processo de transformação da visão de educação nas últimas décadas. Pensei nas grandes demandas da educação atual perante a sociedade brasileira. Por último, pensei, enquanto profissional da educação, na minha responsabilidade de me propor ao debate, enriquecer o campo das discussões referente ao tema que se apresenta, contribuir assim, para o esclarecimento e o desenvolvimento da sociedade.
Instiguei-me a fazê-lo depois de ler uma reportagem que discorria sobre determinação da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude desta Comarca, no que tange ao oferecimento de vagas em instituições de Educação Infantil, que o serviço seja disponibilizados ininterruptamente – o que subentende que deverá oferecer atendimento durante período de férias e recesso escolar – conforme Processo número 324/2011 e Sentença publicada em 17/01/2013.
Não é recente, nem única do Juízo desta Comarca, manifestações de órgãos do Poder Judiciário, determinando o funcionamento das creches e pré-escolas em período de férias ou recesso escolar. Como também é corriqueira a mobilização das instituições educacionais e dos sindicatos da classe docente, que recorrerem aos órgãos competentes a fim de reverterem legalmente as determinações aventadas.
Em março de 2011, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou à prefeitura da capital do Estado que mantivesse o funcionamento das creches e pré-escolas em período de férias ou recesso escolar. Na ocasião, houve debates sobre o tema e a Secretaria de Educação de São Paulo consultou o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão consultivo e normativo que refutou a decisão do TJ-SP, por meio de parecer técnico. Situações análogas ocorreram em outros municípios paulistas e de outros Estados da federação, tendo sempre o mesmo desfecho: debates e “quedas de braço” entre os órgãos e poderes da República.
Na semana passada o parecer do CNE foi homologado pelo Ministro da Educação Aloizio Mercadante e pode tornar-se uma das diretrizes da Educação Infantil. (Consultas: http://www.fae.ufmg.br/nepei/pagina.php?page=férias e Parecer CNE/CEB Nº 8/2011 e Parecer CNE/CEB nº 23/2012 – D.O.U. de 19/3/2013, Seção 1, Pág. 10).
Segundo o CNE as creches não devem ser vistas como unidades assistencialistas, mas sim educativas. "A criança tem direito a uma convivência intensiva e extensiva com a sua família", afirma Cesar Callegari, membro do CNE e relator do parecer, na época. O conceito meramente assistencialista da creche, como instituição guardadora de crianças – alguns preferem usar o termo “depósito de crianças” – é ultrapassado, simplista e não condiz com as diretrizes da política nacional de educação para os pequenos.
O CNE reafirma que férias escolares na Educação Infantil se fazem importante “para estimular a convivência familiar da criança (arts. 227 e 229 da Constituição Federal), seja para viabilizar a adequada organização pedagógica e curricular das unidades de Educação Infantil, preservando, igualmente, a relação e a identidade entre professor e alunos, que se mostra ainda mais importante nas primeiras experiências da educação formal”, além de ser este período indicado para se realizar serviços de manutenção, dedetização e desratização do espaço físico escolar, além do planejamento.
A criança não vai à creche simplesmente porque seus pais trabalham e não têm com quem deixá-la, ou porque na creche se oferece complementação alimentar. Muito além desses objetivos, a creche e a pré-escola têm “como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (Lei nº 9.394/1995, arts. 29 e 30 – e alterações), portanto essas instituições são, acima de tudo, escolas e devem funcionar como tal.
No tocante às férias, os professores devem gozá-las coletivamente, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho dos professores de Educação Básica, cláusula 43 (CCTEB). É por esse motivo as creches e pré-escolas interrompem o atendimento ao público (suspendem as aulas) durante o período de férias e ou recesso escolar, tornando-se impraticável que os docentes destas instituições cumpram suas férias em regime de revezamento.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assegura que os professores possam gozar de férias parciais (divididas), mas estas nunca devem ser inferiores a dez dias (art. 139) e carecem de aprovação prévia por órgão colegiado, além de previsão no calendário escolar. Nesse caso, nenhum dos dois períodos pode coincidir com o recesso escolar, previsto na CCTEB, cláusulas 44, assim se parte das férias for gozada em julho, deverá ser antes ou após o recesso escolar previsto para o mês.
No caso dos docentes do quadro municipal de Castilho têm direito a trinta dias de férias e quinze dias de recesso escolar, de acordo com o art. 56 da LC nº 15/2005 e suas alterações (Plano de Carreira e de Remuneração do Magistério Público Municipal de Castilho) e não há previsão para férias parciais, exceto para detentores de funções gratificadas, que obedecerão “ao que dispuser o Diretor do Departamento de Educação” (§ 2º).
Por estar em confronto com o Parecer CNE/CEB Nº 8/2011 e Parecer CNE/CEB nº 23/2012 homologado pelo Ministro da Educação, Aloisio Mercadante, é que afirmo que a determinação da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Andradina está na contramão da política nacional de educação do Brasil.
Mas “há uma luz no fundo do túnel”, para a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude e, sobretudo, para as famílias que demandaram a ação desse órgão. De acordo com o voto dos relatores de ambos os pareceres fica evidenciada a legitimidade da demanda da população em requerer atendimento das creches e pré-escolas que diferem do atendimento regular, como sendo à noite, aos finais de semana e durante férias e ou recesso escolar. Porém, este atendimento almejado, que não “pode ser intempestiva ou emergencial, e nem deve abranger todo o período das férias das crianças” (Parecer CNE/CEB Nº 8/2011)enquadra-se no âmbito de “Políticas para a Infância”, devendo ser financiado, orientado e supervisionado por outras áreas, como assistência social, saúde, cultura, esportes e proteção social” (Parecer CNE/CEB Nº 23/2012)  com disposição de instalações físicas, equipamentos, materiais, profissionais e programação adequados, e não simples e unicamente, delegados a área de educação e seus profissionais, incorrendo na supressão de seus direitos trabalhistas e no desmonte de sua ação específica. Ainda, prevê a possibilidade de criação de mecanismos de articulação das áreas outras, que venham possibilitar o atendimento à população sem descaracterizar os critérios pedagógicos, o calendário escolar, os horários e as demais condições de funcionamento das instituições da Educação Infantil.
Vê-se que nem sempre a medida impositiva seja o caminho curto para a resolução das questões. O debate amplo envolvendo os setores afins, a consulta aos profissionais especialistas, temperados com uma boa dose de serenidade é ainda a melhor receita para um desfecho aprazível e de sucesso.

VANDECIO CARVALHO.
Pedagogo, Psicopedagogo e
Docente na Rede Municipal de
Ensino de Castilho.

Um comentário:

  1. Antonio Rodrigues Belon22 de abril de 2013 às 10:29

    Indico a leitura de História e educação na sociedade de classes, de Jean Paulo Pereira de de Menezes, (Org.), com capítulos de Antonio Rodrigues Belon (AS LUTAS DOS PROFESSORES), Ari Raimam, Áurea de Carvalho Costa, Jean Paulo Pereira de Menezes(Organizador); Lesliane Caputi, Luciana Belíssimo de Carvalho, Maria Denise Guedes, Melina Lima Pinotti , Saulo Alvaro de Mello, Telma Ressineti, Vanessa Batista de Andrade, da Ed. Clube de Autores, São Paulo 2012.


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