sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Castilho, 60 anos: memórias subterrâneas


Captar no pretérito a centelha da esperança só é dado ao historiador que estiver convicto do seguinte: se o inimigo vencer, nem mesmo os mortos estarão a salvo dele. Esse inimigo não parou de vencer. (BENJAMIM, 1991[1]).

Neste dia 10 de agosto de 2013 Castilho-SP comemora seus 60 anos de emancipação política, pois antes este município era um distrito pertencente a Andradina-SP. No entanto, sua história existencial teve início por volta da década de 1920.
Conta a história popular e mais reconhecida como oficial, que tudo começou quando um proprietário de terras, chamado Armel Miranda, decidiu lotear a área onde hoje se localiza a zona urbana do município. O então proprietário residia fora, mas teria dado a seu sobrinho, Antonio de Brito Vieira a missão de cumprir o plano traçado.
Segundo consta, nada havia por estas terras a não ser matas e animais, sendo que o primeiro nome adotado para o vilarejo que surgia foi o de Vila Cauê.
Os mais velhos relatam que nesta época a natureza era dominante e a vida era dura para quem aqui chegava, estas condições afastavam o interesse de empreendedores e trabalhadores. No local onde hoje é a Praça da Matriz era uma área de varzea, onde plantavam arroz e que em dias de chuva os poucos moradores da época costumavam fisgar Lambaris com redes de pesca.
Consta ainda que Armel Miranda teria promovido a construção da primeira igreja da cidade, na tentativa de alavancar a migração de pessoas para o pequeno vilarejo que pouco tempo depois trocou de nome, passou a se chamar Alfredo de Castilho, cidadão que era engenheiro da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB). A intenção era convencê-lo a adiantar a vinda da estrada de ferro para o local. Assim, nos primeiros anos da década de 1930 a Estação Ferroviária era inaugurada. No entanto, Alfredo de Castilho nunca teria visitado a vila com seu nome.
Com a chegada da ferrovia o transporte foi facilitado e o interesse pelo local aumentou. Chegaram novos investidores como comerciantes e principalmente, fazendeiros, estes apoiados na política varguista de integração do território nacional, chamada ‘marcha para o oeste’, que na pratica significava a negociação livre e desenfreada de terras públicas, sem qualquer controle, como fazia a antiga firma Moura Andrade de propriedade do conhecido Rei do Gado.



Foto de placa da Firma Moura Andrade. Ótimas oportunidades para especulação imobiliária.

Esta talvez seja a parte um tanto romântica da história, cujos personagens citados até aqui mereceriam maiores estudos para concluir qual foi o papel e o lugar social que tiveram e ocuparam neste processo de formação do território castilhense.
É a história dos ‘primeiros’ a pisarem este chão, a fábula dos heróis empreendedores, desbravadores de matas com machados na mão que enfrentavam as hostilidades de uma natureza reinante.
É o mito dos Pioneiros, uma forma de ver a história e que muitas vezes coloca no mesmo saco histórico os diferentes personagens de distintas classes sociais.
No entanto, algumas separações são necessárias. Em geral o mundo dos pioneiros procurava exaltar a história dos vencedores, onde  não há espaço para os subalternos, ignoram, por exemplo a existência de índios por estas terras, da etnia Kaingang, cuja domínio territorial se estendia de Bauru ao rio Paraná, conforme afirma a antropóloga Pinheiro (2005[2]) apud Oliveira (2006)[3]. 
O nome, ‘Vila Cauê’, já é um indicio de influência indígena, pois trata-se de uma palavra Tupi de dois significados: o pássaro "gavião" ou a bebida fermentada (ka´wi) que os índios tomam. No conto dos pioneiros não é possível saber, por exemplo, que os índios que aqui moravam foram exterminados para abrir passagem para a negociação de terras.
A história oficial, a dos vencedores, não mostra, mas como imaginar, por exemplo, o Rei do Gado de machado na mão derrubando árvores? Como imaginar os grandes fazendeiros de Castilho-SP com enxada na mão preparando as extensas pastagens?
Nestes contos quase não aparecem o trabalho do camponês arrendatário que veio do nordeste, da Europa, do Japão etc; em busca de oportunidades, atraídos pela promessa de terras fartas, disponíveis a quem quisesse, mas que só encontraram o trabalho em propriedades alheias. Foram estes que, em diferentes regimes de trabalho ou acordos desmataram,  cultivaram e depois de um ciclo tiveram que entregar as terras  já prontas para a pecuária.

Em Castilho havia um antigo morador que testemunhava a todos o início da ocupação destas terras. Não se sabe se com orgulho ou revolta, este cidadão lembrava de seus feitos na empreitada colonizadora por aqui. Dizia que na derrubada das matas e limpeza das áreas, tinha que dormir em buracos, ao lado de fogueiras para afugentar as onças. Este mesmo senhor morreu pobre, passou a maior parte de sua vida recolhendo material de reciclagem pelas ruas da cidade, e com dignidade conseguiu criar vários filhos que até hoje seguem sua mesma profissão.
Entre pioneiros e fazendeiros talvez este senhor seja símbolo daqueles que fizeram outro tipo de história, a dos subalternos e que merecem ser lembrados nesta data.  Mas, mais importante que os personagens aqui citados é entender as razões para que tudo fosse como foi e neste contexto a terra foi o ouro dos desbravadores.
Dóri Edson Lopes


Em tempo: o grupo Os Opositores planeja realizar um trabalho de resgate destas memórias para ser lançado em forma de livro.




[1] BENJAMIM, Walter. Teses sobre filosofia da história. In: Sociologia. São Paulo: Ática, 1991.
[2] PINHEIRO, Niminom Suzel. “Terra não é troféu de guerra.” In: Anais do XXIII Simpósio Nacional de História: História – Guerra e Paz, Londrina: Editoral Mídia, 2005.

[3] OLIVEIRA, Mariana Esteves. O Grito Abençoado da Periferia: trajetórias e contradições do Iajes e dos movimentos populares na Andradina dos anos 1980. UEM, Maringá-PR, 2006. 

2 comentários:

  1. muito bom! Recordar é Viver. E outra, essa face oculta da história de Castilho deveria estar evidente no livro que narra o nascimento do nosso município; nota-se, portanto, que temos uma biografia aleijada sobre Castilho.

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  2. Parabéns! Um presente e tanto para o município e para os munícipes!!

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